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Uma escola que não respeita a diversidade de seus funcionários, jamais respeitará a diferença de suas crianças

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

"Os homossexuais são incentivados a viver como se fossem héteros", diz Richard Miskolci


Richard Miskolci, 38, é professor adjunto de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo e Pesquisador Colaborador do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu da Universidade de Campinas (UNICAMP). Miskolci também coordena o grupo de pesquisa "Corpo, identidades e subjetivações". Nos últimos anos, o seu trabalho tem sido focado no estudo e disseminação da chamada teoria queer.

Na entrevista que você confere a seguir, o pesquisador fala a respeito do livro "Marcas da Diferença na Vida Escolar", que é fruto do curso "Gênero e Diversidade na Escola", que foi coordenado por Richard. No livro, encontram-se cinco artigos que abordam temas como a cultura na escola, o gênero e a orientação sexual e as relações étnicas raciais.

Richard explica que o livro não trata da diversidade sexual única e exclusivamente, que a ideia central do projeto é lidar com a diferença. "Sua proposta é mais radical, a de propor métodos de ensino desconstrutivistas, que coloquem em discussão as fontes culturais dos preconceitos por meio da sensibilização de educadoras para a diferença como potencial criativo e transformador", explica.

Como surgiu a ideia do livro? Comente um pouco sobre o projeto.
O livro surgiu a partir da experiência de coordenação da versão da Universidade de São Carlos (UFSCar) do Curso Gênero e Diversidade na Escola. O curso foi financiado pelo Ministério da Educação (MEC), criado em parceria pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) e o Centro Latino Americano em Sexualidades e Direitos Humanos (CLAM-UERJ), e aberto para "replicação" em todo país por meio de edital em 2008. A UFSCar, por meio do grupo de Pesquisa Corpo, Identidades e Subjetivações e o NEAB (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros), propôs uma versão e foi aceita. Assim, durante 2009 criou a estrutura e ofereceu o curso para cerca de 1.440 educadores/as de vários Estados brasileiros. O GDE-UFSCar foi oferecido na modalidade a distância, usou o material fornecido pela SECAD, mas também criou material próprio, um livro didático intitulado "Marcas da Diferença no Ensino Escolar", o qual, depois do término do curso, foi revisto, modificado, ampliado e gerou este livro recém-lançado com o mesmo título, mas acessível a todos/as e não apenas aos/às cursistas iniciais. A maior parte da edição já tem destino certo: será doada a pólos de educação, bibliotecas e núcleos de pesquisa. Queremos socializar e ampliar os resultados alcançados com o GDE-UFSCar cumprindo nosso compromisso com a SECAD, o MEC e demais promotores do curso, como a SPM, a SDH e a SEPIR. Sobretudo, nosso objetivo é contribuir para que nossa experiência exitosa se espalhe pelo país por meio do material que resultou do contato com cursistas de toda parte e com anseios que retratam a diversidade do Brasil.

O livro trata da questão da diversidade sexual no âmbito escolar. Você como educador e pesquisador, acredita que os alunos que chegam à graduação estão preparados para lidar com o tema? Por quê?
O livro é voltado principalmente para educadoras/es de primeiro e segundo grau. Há uma grande demanda por material consistente e atualizado sobre os temas das diferenças e o livro busca atendê-la. Não lida com diversidade, antes com diferença, ou seja, sua proposta é mais radical, a de propor métodos de ensino desconstrutivistas, que coloquem em discussão as fontes culturais dos preconceitos por meio da sensibilização de educadoras para a diferença como potencial criativo e transformador. Na retórica da diversidade prega-se a tolerância e o convívio com o Outro sem se misturar enquanto na perspectiva da diferença a proposta é a de aceitação do Outro, um convite a se transformar no contato com ele criando uma outra sociedade, mais plural e democrática.

Muito se fala em bullying no ensino fundamental, mas nos últimos anos tivemos conhecimentos de agressões homofóbicas em universidades, por exemplo, na USP, quando um casal foi expulso de uma festa e, na UFMG, quando um aluno gay foi espancado. Podemos dizer que há bullying homofóbico nas universidades, públicas ou privadas?
O bullying sempre existiu em todos os níveis educacionais. Na verdade, o processo educacional, no passado, era marcado por ele, pois a educação era formatação para os padrões socialmente impostos como corretos. A sensibilidade para este tipo de violência física e/ou simbólica é recente e muito positiva, pois leva-nos a repensar a educação e seu papel. Focar apenas em eventos isolados ou contextuais de violência como os noticiados pode nos desviar de um objetivo mais transformador que é o de colocar em questão os currículos, as metodologias de ensino e os valores e normas em que as pessoas são obrigadas a se inserir no processo educativo. Mudar esse contexto é um desafio com potencial promissor.

A homofobia é algo que está além do fato da pessoa ter instrução/graduação ou não?
Homofobia é um termo complicado, originalmente psicológico e usado para "culpabilizar" homossexuais por sua própria situação. Durante muito tempo, homofóbico era sinônimo de um homossexual que não se aceitava. O uso recente do termo homofobia para expressar atos de violência contra homossexuais tem muitas limitações. A principal é que homofobia é usado para vitimizar homossexuais criando imagem de algozes heterossexuais. Na experiência cotidiana, as coisas são mais complicadas. Vivemos em uma sociedade heteronormativa, ou seja, em que todos/as, inclusive homossexuais, são incentivados a viverem como se fossem heterossexuais. A heteronormatividade também é uma violência e é experimentada dentro de espaços "gays" quando um certo jeito de ser é imposto, muitas vezes por outros gays. Assim, a fonte de onde brota diversas formas de violência vividas por homossexuais é o heterossexismo. O heterossexismo institucional, por exemplo, o pressuposto de que todos são ou deveriam ser hétero machuca tanto e mais frequentemente do que expressões eventuais de violência física ou simbólica. Combater violência é um imperativo, mas devemos ampliar nossa percepção do que é violento e evitar personificá-lo nos heterossexuais. A violência está nas instituições, nas normas e convenções culturais heterossexistas, na heteronormatividade, a qual - inclusive para héteros - é frequentemente algo com o que não concordam tampouco gostariam que existisse.

A educação pode ser uma ferramenta para o combate a homofobia?
A educação tem um potencial incrível. A proposta do livro é a de uma desconstrução da forma estabelecida de educar de maneira a colocar em xeque as fontes culturais dos preconceitos. Des-construir a antiga educação também pode ser refazê-la como algo aberto ao Outro, ao qualificado como estranho, o/a portador/a da diferença e do novo. Assim, o "Marcas da Diferença no Ensino Escolar" espera contribuir para desfazer o hegemônico por meio da incorporação transformadora do Outro mudando a escola, o educar e, sobretudo, auxiliando a criar uma sociedade mais aberta às transformações democráticas.

E qual é a sua análise a respeito da recepção da diversidade sexual nos espaços acadêmicos? Ainda há resistência?
Há maior ou menor receptividade dependendo do contexto de cada um, área de atuação, local de trabalho. Na UFSCar, temos um terreno propício e receptivo a iniciativas comprometidas com o respeito às diferenças e à criação de material que promova a inclusão social e a construção de uma nova cidadania. Destaco o programa de ações afirmativas da universidade, a inclusão de indígenas, negros, refugiados políticos, estudantes vindos das escolas públicas

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